Eu estava planejando escrever esse artigo há muito tempo, mas nunca tive uma motivação real. De uns meses pra cá, eu tenho diminuído o tempo que gasto no DOTA e tenho focado um pouco mais em um outro jogo que acho particularmente competitivo, divertido e – o que tem sido um fator fundamental para mim – rápido: Overwatch.
Após jogar algumas partidas no competitivo de Overwatch, percebi os mesmos sintomas de irritação e cobrança que originalmente apareciam no Dota, em especial por causa dos picks. Pelo menos, nesse caso, uma partida perdida não dura 30~40 minutos, mas a metade desse tempo. Foi aí que eu percebi que esse problema é recorrente em TODOS os jogos competitivos online: As pessoas simplesmente não entendem absolutamente nada sobre picks e na maioria esmagadora das partidas um dos times já começa em desvantagem gritante por causa deles.
Voltando para o DOTA, existem incontáveis guias que abordam picks para partidas competitivas, no modo Captains Mode, focadas em campeonatos e scrims, mas percebo que uma discussão mais simples, adotando uma abordagem mais próxima do jogador comum, para as partidas normais (e até mesmo rankeadas) é escassa.
Esse, então, é o objetivo desse artigo.
Introdução
A primeira coisa que todo jogador pensa na hora de pickar um herói é no role que ele vai desempenhar e quais heróis gosta de jogar – seu hero pool. À partir daí, um ou outro jogador imagina como vai ser o matchup na lane contra o heroi adversário (principalmente se a lane for o mid). É nesse ponto que a coisa fica feia: muitos se perdem no caminho e pegam heróis completamente inúteis ou inadequados para o contexto geral da equipe.
A ORDEM DOS FATORES ALTERA O PRODUTO (ÀS VEZES)
É costume em pubs (rankeds e normais) que os jogadores core solicitem que os supports pickem primeiro. A justificativa é que os cores são “mais importantes”. Essa noção vem do competitivo, onde os picks dos cores realmente são absolutamente os mais importantes e tudo é construído em torno deles. Porém, em pubs, essa recíproca nem sempre é verdadeira.
Isso porque pubs são locais desordenados de pessoas jogando sem sinergia. Mesmo que uma estratégia tente girar em torno de um core e de combos, em raros casos os jogadores estarão sincronizados para tirar proveito desses picks. Não existem também garantias que, se os suportes pickarem primeiro, será possível o core pickar de fato o herói que desejava com o andar da carruagem do que for pickado depois – geralmente essas garantias são construídas no competitivo através de bans e ordem de picks elusiva.
Às vezes é melhor pickar um core primeiro para garantir um herói da sua zona de conforto, garantir a vantagem por estar jogando no Radiant (um SF que stacka camps enquanto faz mid) ou Dire (uma Ursa que faz Roshan com frequência), pegar um herói que está forte no meta, garantir uma boa dupla com um dos suportes ou outras infindáveis razões.
Eu costumo dizer que é bom pickar um support mais flexível primeiro e deixar o outro para depois – para os picks finais – afinal muitos suportes possuem várias características importantes e suprem várias necessidades do time ao mesmo tempo, enquanto outros são tão importantes que podem mudar completamente o rumo do jogo se pickados por último por terem muita vantagem em relação a alguns cores. Por causa dessa diferença, eu particularmente gosto da ideia de um dos supports ser o terceiro ou quarto pick.
Antes de nos aprofundarmos na estratégia de picks, eu gostaria de discutir um pouco sobre counterpicks, pois com uma frequência assustadora as pessoas se armam de “picks para counterar” determinados heróis, sem nem mesmo entender o por quê aquele herói é considerado um counter, se o counter se encaixa no line up da partida e se existem outros heróis que poderiam ser melhores na situação.
COUNTERPICK NÃO É EXATAMENTE O QUE VOCÊ IMAGINA
Façamos um exercício mental: Você começa mais uma partida rankeada e, sem muita preferência, deixa que seus aliados escolham os heróis primeiros. Entre muitas brigas e golds perdidos, seu time escolhe quatro heróis, e o time adversário está para escolher o quinto. Você ainda não escolheu. Sua composição, é a seguinte:
Banidos: Ancient Apparition | Invoker | Alchemist
(A = Aliado / I = Inimigo)
Mid
Shadow Fiend (A) vs Storm Spirit (I)
Offlane
Darkseer (A) vs ??? (I) + Lion (I) + Witch Doctor (I)
Safelane
Anti-Mage (A) + Dazzle (A) vs Void (I)
De repente, o último jogador inimigo saca um Slark. Você, como um ótimo jogador, com bastante skill, acredita que você é bom o suficiente para carregar um time inteiro e, na malandragem, já desce o dedo naquele famoso Bloodseeker jungle pra counterar o Slark – o fato dele estar na jungle, por incrivel que pareça, é o menor dos problemas.
Por mais que o Bloodseeker seja um counter decente do Slark, nessa situação é um pick miseravelmente ruim e que vai trazer benefícios praticamente intangíveis para a equipe.
O time adversário possui uma composição equilibrada entre dano, controle e farm. A composição deles possui boa resposta para o Anti-Mage, um combo decente entre Void e Witch Doctor, dano distribuído entre os heróis, e três heróis que dividem o farm sem muitos problemas.
O seu time, por outro lado, se encontra numa posição medíocre. Seu time não possuí nem mesmo um stun, o que torna praticamente impossível matar o Slark sem que sejam necessários 3 heróis e necessariamente a ulti do Bloodseeker. Você é praticamente inútil contra o Storm. O Anti-Mage precisa de um mundo de espaço para farmar que dificilmente irá conseguir contra um Storm incontrolável. Seu time é forte no split push, mas não tem segurança para pushar, porque não tem resposta para os heróis deles e não possuí um herói para atrair atenção. Então, qual seria a solução?
Existe um mundo de heróis que poderia resolver essa situação de forma aceitável, mas uma das melhores alternativas, na minha avaliação, seria o Earthshaker – e não um bloodseeker. Como quinto pick, ele é um herói com boa capacidade para gankar e criar espaço para o AM farmar, com um push razoável, uma capacidade decente de levar torres, tem bastante controle para heróis como Storm Spirit, ele consegue parar a ulti do Witch Doctor de longe, ele depende de relativamente poucos itens para ser eficiente e, o mais importante, consegue causar dano e controlar o Slark enquanto ele está sobre o efeito de Shadow Dance – afinal ele não precisa clicar no Slark para causar dano a ele e atordoa-lo. Existem outros picks que poderiam se encaixar aqui? Sim. Disruptor, Elder Titan e Earth Spirit são outros exemplos de heróis que poderiam ser úteis nessa situação (os dois primeiros, ótimos para combar com Shadow Fiend e Dark Seer).
O que quero dizer aqui é: Quase sempre existe um pick mitigador que consegue preencher vários dos buracos do seu time de uma só vez, embora ele sozinho geralmente não vá ser o suficiente para ganhar a partida. Mas é melhor isso do que ser completamente destruído, certo?
Mas como escolher exatamente esse pick mitigador e que ao mesmo tempo pode ser um counter pick? Bom, é disso que falaremos agora.
TUDO É UMA QUESTÃO DE BALANCEAMENTO
Já ouviu dizer que equilíbrio é tudo na vida? Bom, no Dota não é diferente. Existe uma série de aspectos e características que se espera que todo time tenha, para que ele possa ter chances de vencer uma partida. É evidente que as estratégias e abordagens variam, mas geralmente existe um grupo de fatores mínimo que toda equipe precisa ter.
Para construir um prédio você precisa de vários profissionais, certo? Engenheiros, arquitetos, pedreiros, eletricistas, mecânicos – e uma infinidade de outras pessoas – são as pessoas que fazem parte da equipe. Você necessariamente precisa deles para construir o prédio. Nenhum prédio é igual a outro porque esses profissionais aplicam suas habilidades de formas distintas – e cada um deles tem capacidades básicas e capacidades específicas, que acabam contribuindo para o produto final. Com o Dota, é a mesma coisa.
GUIA PRÁTICO DE ESCOLHA DE HERÓIS
Tá bom Flagrare, mas e aí? Você falou, falou, falou e ainda não deu uma resposta definitiva sobre como pickar!
Bom, eu já adianto que não existe uma resposta definitiva sobre como pickar. Jogadores mais experientes, com mais skill e mais game sense vão enxergar fatores no macro-game que a maioria dos jogadores comuns nem imaginam. A arte dos picks está constantemente evoluindo e mesmo os melhores drafters do mundo (como Puppey e ppd) cometem erros e desenvolvem ideias novas continuamente. Mas então não tem nada pra fazer? Bom, não exatamente.
O que eu posso oferecer é uma espécie de guia prático pra fazer as escolhas. Esse guia partiu de um caderninho onde eu anotava as minhas escolhas de heróis nas rankeds, baseando nas escolhas do meu time e do time adversário e o que é que sobrava pra mim.
É importante ressaltar que esse guia é mais eficiente se seu pick for o último, mas ele com certeza pode ser usado para outra situações.
O guia se baseia no princípio de afunilamento, onde os fatores mais importantes são avaliados primeiro, até que você consiga chegar em uma decisão consistente de herói.
A PIRÂMIDE DE PICKS
Como ela funciona? Bom, em resumo, filtra-se as informações até o ponto da escolha do herói. Vamos começar pelo primeiro filtro.
ROLE
Essa é a parte mais intuitiva do processo. A primeira escolha que você deve fazer, é decidir com qual role – ou função – vai jogar ou mais importante que isso, qual função sua equipe precisa que você desempenhe.
É natural que você tenha mais habilidade ou costume com determinadas funções, mas nem sempre vai ser possível que você faça o que deseja, quando alguém marcar uma posição antes que você. É frustrante jogar em uma função que não deseja, mas quão mais frustrante é perder uma partida.
De modo geral, as funções em uma equipe bem-equilibrada são divididas em:
SUPPORTS
Em linhas gerais, supports são responsáveis por causar impacto cedo na partida e garantir recursos para o time no late game. São eles que fornecem visão, realizam rotações para proteger os cores e/ou aplicam pressão em lanes através de ganks no early game.
Support 5: Um suporte que não é ganancioso, não precisa de muitos itens e mesmo com pouco level causa impacto no jogo. Exemplos são Dazzle, Winter Wyvern, Shadow Shaman, etc.
Support 4: Um suporte ligeiramente ganancioso, que precisa de itens chave para desempenhar suas funções e que preferencialmente deve estar com nível acompanhando o restante do time. Também é chamado de support flexível, pois ele transita entre cores e supports. Exemplos são Earthshaker, Sand King, Bounty Hunter, etc.
CORES
Cores são os heróis em torno dos quais geralmente os picks são montados em partidas competitivas. Em pubs, podemos dizer que são os heróis que precisam de farm e xp para causar impacto à partir do mid game.
Mid: O mid é designado para heróis que dependem igualmente de farm e xp para que possam ter impacto na partida. Exemplos são Puck, Templar Assassin, Storm, Invoker, etc.
Offlaner: O papel de um herói Offlaner é análogo e complementar ao papel do herói mid game. A diferença aqui é que, diferente do herói mid, o herói offlaner não precisa de muito farm, apenas uma quantidade significante de xp. Exemplos são Dark Seer, Clockwerk, Bristleback, Batrider, etc.
Carry: Carriers são heróis que precisam de uma quantidade significante de farm para terem impacto e que, ao mesmo tempo, continuam causando impacto mesmo não tendo níveis muito altos – inclusive porque seu potencial de farm lhes permite alcançar a desvantagem de xp. Exemplos são Troll Warlord, Juggernaut, Sven, Medusa, etc.
Em alguns casos, pode ser que você queira apenas aplicar o filtro de role de modo genérico entre CORES e SUPPORTS. Isso acontece em situações que a linha entre o support 4 e 5 não é bem definida (comum em pubs de baixa skill), as lanes estão invertidas ou mesmo as composições são duplas ao invés de uma trilane. Jogadores mais experientes e de alta skill conseguem utilizar heróis incomuns em determinados roles por possuírem alguma vantagem notável sobre a composição do time adversário, mas não é o ponto dessa discussão.
Uma vez que você saiba qual papel vai desempenhar, um conjunto limitado de heróis vai estar disponível para você. Caso você tenha dificuldade em saber quais heróis estão disponíveis para aquela função, os filtros dos picks podem te ajudar.
É importante dizer que esses filtros são limitados e não englobam as evoluções do metagame, então eles servem apenas como referência. Eles também não informam qual a FUNÇÃO direta do herói, mas quais heróis possuem características que LHES PERMITIRIAM DESEMPENHAR AQUELA FUNÇÃO, o que é muito diferente.
Heróis com características de supports filtrados segundo o DOTA. Utilize apenas para exemplo de como aplicar mentalmente o filtro de role na hora de escolher seu herói (até porque Alchemist support é dificilmente uma escolha usual de support).
Uma vez que você aplique mentalmente o primeiro filtro de ROLE, mantenha esses heróis bem definidos na sua cabeça, pois à partir deles você aplicará o próximo filtro.
CONTROLE
Agora que você já escolheu a função que vai jogar – suponhamos que foi um support – você deve escolher um herói desse grupo que se encaixe no filtro de controle. Talvez.
Como assim? Bom já chegamos lá, vamos falar primeiro sobre o que é controle.
Controle é basicamente a capacidade de deixar o seu inimigo incapacitado de alguma maneira. O tipo mais completo de controle é aquele que deixa seu oponente imóvel (geralmente stuns), enquanto ainda existem outros que aplicam slows, silences, mutes, breaks, taunts, disarms, entre outros. Inegavelmente, o melhor exemplo de herói com capacidades de controle individual é o Shadow Shaman (8,5 segundos de controle com Hex + Shackles). No caso do controle coletivo, Puck sem dúvidas é o herói com maior potencial dependendo dos stuns por quebras no Dream Coil, somado ao tempo que os heróis ficaram dentro da área delimitada. Faceless Void com sua Chrono de 5 segundos, Winter Wyvern com Winter’s Curse de 4,75 s e Treant Protector com 4,5 são outros exemplos de controle coletivo de maior significância – nesse caso de duração definida e previsível.
Muito bem, agora que você entendeu o que é controle, por que ele é tão importante ao ponto de ser o segundo filtro? Bom, é muito simples. O objetivo dos filtros é sempre avaliar tanto os picks do seu time quanto do time adversário, antes de fazer uma escolha que beneficie sua equipe ou mitigue alguma falha. Controle é muito importante para que combos possam ser acertados em teamfights, para que ganks tenham alta taxa de sucesso e para lidar com herois problemáticos.
A partir desse ponto, alguns de vocês devem estar questionando a prioridade que a pirâmide dá em relação as características desejadas na hora de filtrar – e eu concordo veementemente que essa ordem de prioridade é totalmente discutível -, mas em minhas concepções, o filtro de controle é o mais importante dentro do role escolhido por uma razão muito simples: uma equipe sem stun não tem recursos nem mesmo para impedir que um inimigo dê um TP para fugir, muitas vezes até mesmo no meio de uma TF.
Ter pelo menos um stun no time é fundamental. Preste bem atenção antes de pickar e observe se faltam stuns no seu time, pois se seu pick for o último – e principalmente se o time inimigo ainda possuir um pick restando – vocês podem ficar em uma situação complicada. Imagine só se o time adversário resolver pickar uma Weaver ou um Anti-Mage e vocês não tem nem um stun sequer? Não que um pick apenas nesse caso fosse o suficiente para resolver o problema, mas pelo menos seria um pouco mais simples lidar.
Uma vez que você tenha constatado se seu time precisa ou não de um herói que tem controle após ter definido seu role, você pode filtrar os herois daquela função que tem essa característica e passar para o próximo filtro.
DANO / SUSTAIN
Dano é um fator relativo mas de extrema importância no DOTA. É a contraparte do controle. Não adianta nada ter controle sem ter dano e dificilmente adiantará ter dano sem ter controle. Ambos andam juntos.
Mas o que exatamente é dano? Bom, dano é um pouco mais difícil de definir que controle, porque existem duas fontes principais de dano: Mágico e Físico – não estou entrando aqui na discussão englobando as diferentes fontes de dano mágico, como por exemplo dano puro. É mais uma divisão genérica entre fonte de right clicks e e fonte de dano mágico. Pode-se dizer que os maiores causadores de dano no time inimigo são aqueles heróis portadores de skills de dano em área, dano por tempo, com cooldowns baixos e, na maioria das vezes, que causam seu dano através de skills (e não right clicks).
Bons exemplos de heróis que causam muito dano no time adversário são: Leshrac, Zeus, Timber (à partir do mid game principalmente), Venomancer, Ancient Aparittion, Death Prophet. Alguns outros heróis possuem enorme quantidade de dano explosivo (burst damage) e são ideais para retirar um heroi imediatamente da team fight, como Lina, Nyx, Invoker (Exort), Tinker e Tiny. Alguns dão muito dano físico que vem do seu conjunto de skills, como por exemplo Templar Assassin, Shadow Fiend e Sven. Acho que você começou a entender o conceito de dano, certo?
Bom, para fechar os exemplos, aqui estão alguns de heróis que são muito ruins em causar dano no time inimigo (pois não é essa a função deles). Heróis como Io, Dazzle, Chen, Omniknight, Rubick. Não estou dizendo que esses heróis não possuem skills de dano. O que estou dizendo é que a contribuição deles, para o time, no total de dano infligido nos inimigos é geralmente muito baixa. Você tem dificuldade em identificar esse heróis? Então esse link do Dotabuff pode lhe dar uma boa noção.
É importante ressaltar que heróis como Phantom Assassin ou Anti-Mage (que dão dano especialmente FÍSICO e precisam de muito itens para que isso aconteça) não são entram nesse critério de heróis que causam dano para escolha do herói inicialmente. Isso porque, se em uma teamfight acontecer aos 10~15 minutos, a contribuição deles será irrisória e quase inexistente.
Já pensou um time com Tidehunter, Puck, Treant Protector, Dazzle e Phantom Assassin? Esse time vai causar um dano miserável na equipe adversária (apesar de possuir uma capacidade absurda de controle). Sabe aquelas TFs em que todos os seus heróis estão presentes, vocês conseguem um start bom, todas as ultis são gastas e ninguém morre e de repente seu time inteiro toma team wipe e você acaba xingando a Phantom Assassin do seu time por que ela aparentemente não matou ninguém? Pois é, vocês não tinham dano para matar ninguém. A culpa foi tanto dela como de todos vocês. Nessas horas o ideal é manter o equilíbrio. Se, por exemplo, no lugar do Treant Protector existisse por exemplo um Venomancer, e no lugar da Phantom Assassin o carry fosse um Gyro, Luna, Morphling ou mesmo uma Spectre, o pick seria bem mais balanceado.
Sustain também se encaixa nessa parte. Sustain é a capacidade do seu time de se sustentar – como o próprio nome diz – durante e após TFs. Como você pode presumir, essa capacidade vem de heróis – e itens – que proporcionam heals de vida e restores de mana e status. Embora o sustain não seja imprescindível como o dano é, ele é muito importante. Se for possível, considere escolher um herói que forneça alguma forma de sustain para o seu time (ou que seja um portador natural de algum item de sustain).
Então, até agora, onde estamos? Primeiro filtra-se os heróis que se encaixam na função desejada. Depois disso, entre esses heróis, observa-se a necessidade de controle, e se ela existir, filtram-se os heróis entre eles que possuem controle. Uma vez filtrados os heróis com controle, parte-se para o dano. Entre esses heróis do role desejado e que possuem (ou não controle), observa-se se o time possui boa fonte de dano em todos os estágios do jogo, ou se você precisará contribuir para algum desses estágios. Existe algum herói que possa contribuir também com sustain? Você já tem dano suficiente mas não tem sustain e existe algum herói filtrado até aqui que pode te ajudar nesse quesito? Uma vez que esse filtro tenha sido aplicado, o próximo é o filtro de farm.
É importante ressaltar que o sustain não deve ser considerado um critério de filtragem, como no caso do dano, na maioria das partidas. Ele é um critério que geralmente será opcional e preferencial – que irá atribuir uma tendência maior para um herói se ele ainda restar após todos os outros filtros. Entretanto, existem situações onde ele pode se tornar um fator extremamente importante e deve ser encarado como filtro, como por exemplo em situações onde o pick do seu time é fundamentado para deathball – ou terá que enfrentar uma situação assim (Undying + Venomancer por exemplo).
FARM
O filtro de farm é muito simples. No melhor dos mundos, você encontrou um conjunto de alguns heróis perfeitos que se encaixam na necessidade do seu time depois de executar os filtros anteriores. Vamos supor, então, que você chegou a conclusão que seu time já possui controle e dano, e você não precisa se preocupar com nada disso, e está livre para escolher o herói que desejar naquela função, mas como escolher?
Bom, tudo no DOTA se resume a recursos e um dos recursos mais importantes no jogo é farm. Heróis core precisam de farm. Alguns mais, outros menos. Alguns supports precisam também de uma quantidade relativa. Vamos supor que você é o Offlaner do seu time. Seu mid é formado por Shadow Fiend (mid), Sand King, Lion (supports) e Anti-Mage (hc). É um time razoavelmente equilibrado entre dano e controle. Qual seria sua escolha? Nesse ponto, muitos – em desconhecimento – gritariam “TANK”! Veja bem amigo, DOTA não é MMORPG. Aqui não são necessários tanks. Ninguém, desnecessariamente, vai focar em um tank simplesmente porque ele tem um milhão de HP. Todo herói no DOTA precisa de uma função específica, algo para contribuir diretamente no time. Se essa função no time não existe, então aquele herói é desnecessário. Mas então que herói pickar?
Nessa composição específica onde o Sand King é support, notamos que o time tem quase tudo o que precisa para funcionar, mas o Shadow Fiend e o Anti-Mage tem um grande problema: eles precisam de farm. Muito farm. O Sand King por si só já precisa de uma pequena quantidade própria de farm para torná-lo mais eficiente e causar mais impacto na partida. Mas então, que herói pickar? Bem, o filtro da vez sendo o de farm, a pergunta que deve-se fazer é: Meu time tem farm disponível ou não? Nesse caso, a resposta seria negativa. Seu time precisa criar espaço para o farm, caso contrário os heróis terão muita dificuldade para crescer. Ele precisa de, não só alguém que não esteja competindo por farm com dois cores muito gananciosos, como também um support ligeiramente ganancioso, mas precisa também de alguém que possa ajudar a criar espaço no mapa para que esse farm exista (se quiser saber mais sobre criação de espaço, dê uma olhada nesse link).
Então qual pick seria ideal? Bom, um pick que fizesse com que o time adversário se sentisse constantemente inseguro ou ocupado no mapa, diminuísse o espaço do adversário nas lanes e criasse espaço para os cores farmarem. Existe uma infinidade de heróis com essas características, mas acima de tudo, ele teria que ser um herói que precisa de pouco farm para ser efetivo. Algumas sugestões para isso seriam: Clockwerk, Pudge, Tusk, Nyx (esses dois exemplos de heróis com controle + dano em forma de burst) e, um dos meus preferidos para ajudar o Shadow Fiend mid: Spirit Breaker. Todos esses heróis se dão bem com uma quantidade relativamente baixa de farm e se beneficiam muito de xp. Eles também são muito bons em criar espaço para o time. Intuitivamente você poderia pensar em um herói como Nature Prophet ou Broodmother, mas o ponto é que esses heróis não são bons para participar de teamfights, e com um herói naturalmente orientado a farm (Anti-Mage) no time, as brigas ficariam ainda mais difíceis.
Mais uma vez o Dotabuff mostra-se útil caso você precise de ajuda para identificar quais os heróis que precisam mais ou menos de farm para serem úteis.
Observe que, até aqui, ainda que tenhamos reduzido nosso conjunto total de heróis (hero pool) para o pick, ainda existem várias opções disponíveis que poderiam ser usadas, o que significa que cabe mais um filtro.
PUSH / SIEGE
Push é bastante intuitivo: é a capacidade do herói ou time de avançar as lanes e limpar a creepwave (wave clean). Note que, na situação anterior o time possui dois heróis muito bons para limpar lanes (Shadow Fiend e Sand King), além do AM dependendo do seu conjunto de itens. A capacidade de pushar está ligada a presença de skills que causem dano as creeps em área e/ou presença de skills que fortaleçam as creeps aliadas.
Além do push, existe também o siege, que basicamente é a capacidade de um herói ou time em causar danos em estruturas. Ainda no exemplo anterior, observamos que o SF e o AM (dependendo do momento do jogo) são ambos heróis relativamente bons para para destruir estruturas. Heróis como Clinkz, Templar Assassin, Lone Druid, Shadow Shaman (sim, ele de novo) e Windranger são outros exemplos com essa capacidade.
Então você chegou nesse ponto. Sua próxima análise deve ser: Meu time possui boa capacidade de push ou siege? Se a resposta for afirmativa, então não existe a necessidade que você escolha um herói com esses atributos – apesar disso, essa é uma dessas características que nunca é demais.
É importante ressaltar que não é imprescindível que seu time possua um herói com essas habilidades, mas sem elas, é muito mais difícil cumprir os objetivos e vencer o jogo. Além disso, se o time adversário possuir heróis com esses atributos e o seu não, sua equipe se encontrará numa situação bastante delicada, em desvantagem, e terá que se preocupar muito com split push e/ou 5-man-pushes em torres.
Mas o que são essas duas coisas? Ainda pretendo abordar essas estratégias em um post separado, mas em resumo:
- Split push: É uma estratégia na qual o time se separa e pusha lanes diferentes ao mesmo tempo com o objetivo de obter farm de maneira eficiente no mapa, evitar teamfights 5 x 5 e tentar se aproveitar de deslizes e lanes desprotegidas para levar rapidamente estruturas. Típicamente é combatido com uma estratégia de ganking / roaming com heróis como Spirit Breaker, Mirana, Storm Spirit, Tinker, Riki, etc. Mesmo que consiga-se evitar constantemente as agressões de split push com esses heróis, a única maneira de desligar por completo a estratégia é avançando as lanes o suficiente para que a maior parte do mapa esteja sobre seu controle e o split push torne-se perigoso. E para isso, adivinhe? Você vai precisar de heróis com capacidade de push.
- 5-man-push ou deathball: Apesar de geralmente desconhecerem-na por nome, essa estratégia é bastante comum em pubs para times que estão perdendo – o famoso “anda junto”. A estratégia consiste em escolher heróis com grandes capacidades de teamfights e foca em, ao invés de destruir torres, matar todos os heróis do time inimigo, tal qual um rolo compressor passando por cima de tudo o que há na frente. Nessa situação, a melhor estratégia é possuir alguns heróis para realizar split push e evitar as teamfights, enquanto os demais heróis tentam atrasar o rush com suas próprias skills AoE. Resumindo, você vai precisar de heróis com push novamente.
Sabe quando você e seu time já levaram todas as T1 e T2 do time adversário e estão tentando subir o high ground desesperadamente, mas não conseguem? Vocês estão lá há quase 10 minutos, o juninplays420 do seu time não para de gritar que vocês tem que subir e o que o Clock do seu time tem que startar? Bom, o juninplays420 falhou em detectar um ponto muito importante numa situação dessas – e se você for o juninplays420 do seu time, essa é a hora de aprender.
Um time sem siege vai ter dificuldades em subir high ground contra times com boa capacidade de wave clear (já falei ali em cima sobre isso) e com muitas skills de teamfight. Como geralmente os times pushando são impacientes, é bem provável que alguém cometa um erro se apressando e leve todo o time para uma morte inevitável. O problema aqui seria evitado se um dos heróis do time tivesse a capacidade de siege – levar estruturas com facilidade – afinal o que realmente te impede de subir o high ground e fazer uma limpa como você faria no resto do mapa? A T3 te batendo de baixo pra cima. Numa situação assim, um herói como Clinkz ou Nature Prophet fazem toda a diferença, pois com a agressão constante eles poderiam enfraquecer continuamente a torre, creepwave após creepwave, até o ponto em que a T3 cairia, e as coisas ficariam consideravelmente mais simples.
Isso tudo é pra dizer que: Se seu time não tem push e/ou siege, considere pickar até esse ponto um herói com essas capacidades. Pode fazer toda a diferença. Aplicou o filtro de siege/push? Então vamos para o próximo.
HERO POOL
As coisas aqui vão ficando cada vez mais simples. Hero pool é, nada mais nada menos, que os heróis que você sabe jogar. Sua zona de conforto. Aqueles heróis que você tem plena confiança das suas capacidades.
Vamos supor que você aplicou todos os filtros até aqui e chegou a conclusão que seu time precisa de um herói entre: Chen, Visage e Enchantress. Os três heróis tem características semelhantes e algumas diferenças básicas. Então qual deles escolher? Bom, a resposta aqui é bem simples. Se for uma partida competitiva é aconselhável que você simplesmente escolha aquele com o qual joga melhor, mesmo que outra opção pareça ligeiramente melhor.
É melhor que você consiga tirar 100% de eficiência de um herói, mesmo que ele não seja a melhor opção para um cenário, do que pickar um herói que você não tem o hábito de jogar, tirar apenas 50% dele, se perder com as skills, cometer erros, atrapalhar o seu time, ter dificuldades em itemizar para ele adequadamente, etc.
Não há muito o que desenvolver aqui. Supondo que você seja um player que sabe jogar igualmente com dois ou mais dos heróis que sobraram no filtro, você poderia simplesmente escolher aquele que está com vontade de jogar ou o seu preferido – pois assim é bem provável que o resultado com ele seja superior.
Apesar disso, antes de escolher, ainda temos dois outros filtros para aplicar.
MATCHUP
Chegamos ao famoso momento do matchup. A maioria dos jogadores pula todas as etapas e vem direto pra cá. É o famoso counter-pick que falei ali em cima. Matchup pode ser traduzido ao mesmo tempo como confronto e combinação. É importante que se chame assim, porque existem dois aspectos diferentes dele para serem analisados. Então vamos a eles.
Quando se fala de matchup, geralmente pensa-se no herói que se vai enfrentar na lane ou, às vezes, numa situação carry vs carry. Só que Dota não é um jogo 1 v 1. Nem mesmo o mid, uma lane conhecida pelo mano a mano, é isenta de ganks e situações de desvantagem. Ao analisar o matchup contra outros heróis, o jogador deve analisar de maneira global primeiramente e depois num aspecto local. Como assim?
Você tem que pickar um herói de support e seu time precisa muito de dano e silence. Existem algumas opções disponíveis Como Silencer, Disruptor e Skywrath mage. Supondo que você tenha passado por todos os filtros e chegado entre esses três heróis, você precisa analisar o matchup. Se o jogador fosse analisar apenas de forma local (na lane que ele vai atuar), é possível que o Sky seja a melhor opção para aquele zonear aquela Windranger na offlane, que não tem muito sustain para aguentar o Sky na lane no early game. Mas antes de pickar o Sky, observe os picks de forma global. Se existir um Pugna no time adversário, o Sky vai estar numa situação deplorável, pois Pugna é um herói extremamente eficiente para lidar com ele. Se o jogador tivesse olhado o pick de maneira global primeiramente, imediatamente teria descartado o Sky.
Mas a coisa não é tão simples. Nessa situação, por exemplo, imagine que o time adversário ainda tem um pick restante. Então, o que fazer? Num cenário desses, é ideal que se analise as funções dos heróis adversários que já foram escolhidos, relacione-se quais funções ainda faltam e, dentro delas, quais heróis poderiam ser um problema muito grande para o herói que você pretende escolher. O grande problema de fazer isso é que as possibilidades são tão grandes, que o jogador poderia jamais chegar em uma conclusão plausível.
É aí que entra o segundo aspecto do Matchup: a combinação.
Não se esqueça que Dota é um time de equipe. Sendo um time de equipe, alguns heróis possuem combinações harmoniosas e parecem às vezes terem sido feitos para jogar eternamente um ao lado do outro (como por exemplo Tiny + Io), ao passo que outros tem habilidades tão destoantes que, juntos, atrapalham um ao outro – por exemplo heróis que mudam o posicionamento dos inimigos e acabam interferindo no combo de outros heróis (que às vezes também mudam posicionamento) [nesse caso é importante ressaltar que um time coordenado consegue minimizar esses problemas, o que geralmente não é o caso em pubs] ou mesmo situações onde os heróis se beneficiam de cenários completamente opostos e pelo menos um deles força o cenário desfavorável para o outro (por exemplo Night Stalker + Keeper of The Light no mesmo time).
Partindo desse princípio, no filtro de matchup, deve-se observar – entre os heróis filtrados até aqui – quais heróis combinariam mais com o time (teriam sinergia), quais não teriam muitas desvantagens contra os picks – e possíveis picks – adversários e, por fim, se algum deles é counterpick ou tem vantagem natural contra algum herói inimigo.
Uma vez aplicado esse filtro, é bastante difícil que ainda exista mais de uma opção equivalente entre os heróis que restaram, mas se por qualquer que seja a razão isso acabe acontecendo, não se preocupe, ainda existe um último filtro.
SCALE
A última camada de filtro antes de alcançarmos nosso desejado herói é a camada de scale. Scale é basicamente a capacidade de um herói de crescer e se tornar mais forte à medida que o jogo avança. Tecnicamente falando, todo herói melhora em relação a si mesmo até o fim do game – isso é obvio – mas nem todo herói tem o mesmo impacto na partida durante toda sua duração.
É de senso comum que a maioria dos heróis de agilidade precisa de tempo para ficar forte. Precisa de itens. Precisa de xp. Precisa de farm. Partindo desse princípio, em teoria, heróis de inteligência são mais fortes early game e heróis de força no mid game. É evidente que não é simples assim, mas é uma maneira de se ilustrar o conceito que quero aplicar.
Alguns heróis chegam ao final do game causando mais impacto ao inimigo que outros. Um exemplo simples entre heróis de suporte: Lion, Dazzle e Winter Wyvern. Qual deles escala melhor ao final do jogo?
Enquanto o Lion ao final da partida é facilmente counterável com itens como Linken’s Sphere, Lotus Orb, BKBs e silences de modo geral – além do fato de seu ultimate causar muito menos dano agora que os heróis tem muito mais vida -, um herói como o Dazzle continua tendo praticamente a mesma utilidade que tinha no início do jogo. Enquanto sua capacidade de dano e cura por Poison Touch e Shadow Wave, as outras skills (Shallow Grave e Weave) continuam tão úteis quanto antes. Mas o support que verdadeiramente escala aqui não é nenhum dos dois, mas o terceiro: Winter Wyvern.
A habilidade do Winter Wyvern em causar impacto na partida só aumenta com o decorrer do tempo. Duas de suas skills (Arctic Burn e Cold Embrace) são baseadas em % da vida total, e não quantidades fixas de dano e cura, o que significa que mesmo ao final do jogo elas mantém o mesma importância do early game. Além disso, mesmo Splinter Blast que perde um pouco a eficiência em causar dano nos inimigos no late game, é uma ótima habilidade para pushar lanes. O grande trunfo do Winter Wyvern no late game, no entanto, é Winter’s Curse. Dano físico é muito mais eficiente no final da partida que no começo e, convenhamos, uma skill que obriga heróis inimigos a atacarem fisicamente um de seus companheiros, é um puta de um recurso late game que pode vencer sozinho uma teamfight.
Aqui não existe uma fórmula mágica para te ensinar quais heróis escalam melhor que os outros. Você deve usar a cabeça e analisar, entre suas opções, quais delas são melhores para o final da partida. Mas como esse filtro se aplica?
Se você chegou até aqui com um pequeno grupo de heróis, então é bem provável que a melhor escolha entre esses heróis seja aquele que continua causando impacto ao final da partida, afinal nunca se sabe quanto uma partida de Dota vai durar.
Usando esse último critério, você facilmente chegará ao seu desejado resultado final: O herói que você quer jogar.
Podem parecer muitas informações para se absorver ao mesmo tempo e muitas variáveis para se analisar, mas ninguém nunca disse que Dota era um jogo simples ou fácil. A beleza do Dota está em seus desdobramentos táticos e técnicos. A capacidade de se aproveitar deles é o que separa os jogadores comuns dos jogadores excepcionais.
Se você tiver dificuldade de se lembrar de tudo, salve a imagem da pirâmide que tenho certeza, apenas com uma batida de olho nela, você poderá guiar de forma mais eficiente seu processo de picks.
Ah, e se você testar, não deixe de me contar o que achou do processo na prática!
Flagrare, a comunidade do dota tem uma sorte enorme de ter acesso aos seus textos. Eu espero que, no mínimo, seja um pouco gratificante pra você todo o trabalho. O seu site é incrível, muito obrigado. Deve ter dado um trabalho enorme fazer um texto tão completo e todos os outros do site seguem na mesma qualidade. Abraços.